Tour pelo bairro Monte Líbano e Jardim São Bento: tradição libanesa e uma história que o tempo ajuda a contar

Colados um ao outro e com trajetórias que se entrelaçam, os bairros Monte Líbano e Jardim São Bento formam uma das regiões mais tradicionais e valorizadas de Campo Grande. De um lado, a herança libanesa e o pioneirismo de Abdallah Georges Sleiman, que acreditou no potencial de uma cidade ainda pequena e ajudou a desenhar parte de seu crescimento. Do outro, o Jardim São Bento, um bairro de traçado urbano planejado, que cresceu silenciosamente e se consolidou como um dos endereços mais charmosos e tranquilos da capital.

Origem do bairro Monte Líbano: a visão de Abdallah Sleiman

A vontade de um menino com o coração cheio de sonhos fez Abdallah Georges Sleiman partir do Líbano rumo ao Brasil aos 15 anos. Com sede de trabalho e esperança, ele desembarcou em Campo Grande em 1951, juntando-se à colônia libanesa que já movimentava o comércio local.

Anos depois, transformou uma área afastada do centro em um novo bairro — o Monte Líbano. A ideia, ousada para os padrões da época, parecia improvável: a cidade praticamente terminava na Praça Ari Coelho, e poucos acreditavam que alguém escolheria viver “tão longe”.

Me chamaram de turco louco, mas eu sabia que Campo Grande ia longe”, disse Abdallah certa vez, resumindo a fé no futuro da cidade.

A partir dos anos 1960, ele iniciou o loteamento do Monte Líbano, cuidando pessoalmente dos detalhes urbanísticos — calçadas, meio-fio, árvores e ruas bem delineadas. O resultado foi um bairro que combina planejamento e qualidade de vida, atraindo famílias e inspirando novos empreendimentos residenciais.

Abdallah também participou da construção de edifícios e conjuntos habitacionais, como o *Residencial Rui Barbosa*, o Residencial Oriente e o Conjunto 13 de Maio, marcos arquitetônicos da cidade.

Casado com Marie Rose Jabbour, o libanês construiu mais que imóveis: ajudou a erguer um capítulo da história campo-grandense. Até hoje, o Monte Líbano conserva o espírito familiar e o senso de comunidade que marcaram sua origem — reflexos da fé e da determinação de quem acreditou que a cidade iria longe.

Origem do bairro Jardim São Bento: um território de memória fragmentada

Ao lado do Monte Líbano, o Jardim São Bento surgiu durante a expansão urbana de Campo Grande, como resultado do loteamento idealizado pela empresa Loteamento São Bento, fundada por Luiz Rocha. O projeto recebeu o nome de “Jardim São Bento” em homenagem ao loteador e marcou o início da ocupação planejada da região.

Apesar de não existirem registros públicos detalhados sobre sua fundação — como data precisa, ato de criação ou nome do primeiro proprietário da área —, sabe-se que o bairro foi sendo estruturado nas décadas seguintes como um espaço predominantemente residencial, com ruas largas, arborização e uma localização privilegiada, próxima ao centro e ao Monte Líbano.

Em documentos oficiais e mapas da prefeitura, o Jardim São Bento aparece frequentemente vinculado ao polígono do bairro São Bento, sendo considerado um de seus parcelamentos urbanos. Essa sobreposição administrativa ajuda a explicar a escassez de registros históricos próprios — o bairro cresceu dentro de outro, absorvendo parte de sua identidade.

Hoje, o Jardim São Bento é reconhecido pelo perfil tranquilo, pelas casas amplas e pelo processo recente de valorização imobiliária. A verticalização vem se aproximando: um prédio de 17 andares, noticiado em 2024, é símbolo dessa nova fase de crescimento urbano e reposicionamento do bairro dentro da capital.

A Paróquia Nossa Senhora de Fátima: fé e tradição no coração do Monte Líbano

A Paróquia Nossa Senhora de Fátima, situada no Monte Líbano, é um dos marcos espirituais e históricos da região. Fundada oficialmente em 1º de janeiro de 1964, segundo registros da Arquidiocese de Campo Grande, ela nasceu do esforço da comunidade católica local e do trabalho de missionários como o Frei Gregório, que iniciou as celebrações numa pequena capela de madeira.

Com o passar dos anos, a paróquia se tornou referência religiosa e ponto de encontro de gerações. Em 2014, comemorou meio século de história, contabilizando mais de 37 mil batizados e 5,4 mil casamentos. No mês de maio, a comunidade celebra com devoção as festividades de Nossa Senhora de Fátima, com trezenas, procissões e programação especial.

Hoje, a igreja segue como centro de fé e convivência, abrigando pastorais, ações sociais e eventos que fortalecem o vínculo entre vizinhos e famílias, reafirmando sua importância como parte viva da história do bairro.

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias: arquitetura e comunidade

Outro marco religioso e arquitetônico da região é a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecida como Igreja SUD. Localizada em uma das principais avenidas do Jardim São Bento, a construção chama atenção pela imponência, jardins bem cuidados e o estilo arquitetônico sóbrio, que se destaca na paisagem do bairro.

Mais do que um espaço de culto, a Igreja SUD se tornou um ponto de referência comunitária, promovendo atividades sociais, campanhas de solidariedade e ações voltadas ao fortalecimento das famílias. Sua presença reforça a diversidade religiosa e cultural da região, mostrando que fé e convivência caminham lado a lado na rotina dos moradores.

Padaria Monte Líbano: tradição e referência do bairro

Outro ponto de destaque é a Padaria Monte Líbano, reconhecida por muitos moradores como um dos estabelecimentos mais antigos e tradicionais da região. Situada em uma das avenidas mais movimentadas do bairro, a padaria é lembrada tanto pela variedade de produtos quanto pelo papel de ponto de encontro cotidiano. Funcionando há quatro décadas, tornou-se referência para quem mora ou trabalha nas redondezas — seja para o café da manhã, o pão fresco do fim da tarde ou uma conversa rápida entre vizinhos.

Por sua relevância e reconhecimento popular, o local preserva um perfil mais reservado, focado em atender a clientela habitual. De toda forma, a Padaria Monte Líbano segue como um símbolo do bairro, mantendo viva a tradição dos comércios familiares que ajudaram a moldar a identidade local.

A Feira São Bento: cultura, economia e convivência

Entre os novos hábitos que vêm ganhando força no Jardim São Bento está a Feira São Bento, realizada na Praça República do Líbano, sempre no 3º e 4º sábado de cada mês. O evento reúne expositores de gastronomia, artesanato, moda e produtos autorais, transformando a praça em um ponto de encontro entre famílias, artistas e empreendedores locais.

A feira nasceu do desejo de criar um espaço de lazer e convivência que fortalecesse a economia de bairro e o comércio criativo. Desde então, vem crescendo a cada edição — algumas chegam a reunir mais de 60 expositores. Mais do que um evento, tornou-se símbolo de integração comunitária, fortalecendo o sentimento de pertencimento e dando visibilidade a talentos locais.

Verticalização e novos hábitos no Jardim São Bento

Nos últimos anos, o Jardim São Bento tem começado a receber empreendimentos que sinalizam uma nova fase urbana. Um dos mais emblemáticos é o projeto de um prédio de 17 andares, anunciado em 2024, que está sendo construído na região onde antes existia uma residência tradicional. O empreendimento reflete o movimento de valorização e adensamento do bairro, que vem atraindo o interesse de incorporadoras e investidores pela localização estratégica e infraestrutura já consolidada.

Embora o bairro preserve o perfil residencial e as casas com jardins e varandas — além dos condomínios baixos de dois, três e até quatro andares que marcam a paisagem local, o novo edifício simboliza uma transformação inevitável: a chegada da verticalização a uma área até então dominada por construções horizontais. A mudança promete trazer novos hábitos de moradia e convivência, aproximando o Jardim São Bento de um modelo mais moderno de ocupação, sem perder o charme e a tranquilidade que sempre caracterizaram a região.

Personagens e histórias do bairro

Entre comércios tradicionais e novos empreendimentos, o Monte Líbano e o Jardim São Bento guardam histórias de quem vive e trabalha por ali.

Jenifer, por exemplo, trabalha há três anos na Pistache, loja que segundo ela tem mais de uma década de presença no Monte Líbano. Ela conta que a clientela é fiel e diversificada, com moradores do próprio bairro e visitantes que vêm de outras regiões pela qualidade dos produtos.

Williton está há quatro anos na Sapataria Bezerra, um dos comércios mais tradicionais do bairro, especializada em reparos de calçados, bolsas e malas. Ele destaca a clientela fiel e o clima tranquilo das ruas, dizendo que costuma almoçar na região e é frequentador da Padaria Monte Líbano, ponto de encontro de muitos moradores.

No Jardim São Bento, Leila é uma das moradoras mais antigas encontradas pela reportagem. Há 30 anos no bairro, lembra que, quando chegou, o São Bento já se consolidava como um bom lugar para viver. Ela valoriza o contato com a natureza — “os pássaros são parte da paisagem” — e recorda com carinho de quando tinha um pé de pequi no quintal. Costuma frequentar a Feira Criativa do Bairro, faz compras no Comper Rui Barbosa e no Meu Mercado, e gosta de comer no Bar do Mamede, no Restaurante Na Moda da Casa e no In House Delivery.

Um dos locais mais lembrados por quem vive ou trabalha na região é o Bar do Mamede, símbolo da sociabilidade do Monte Líbano. A história do bar começou de forma curiosa: antes, funcionava ali uma oficina automotiva. Durante a pandemia, o movimento de amigos e clientes incentivou Rosana, esposa do Mamede, a transformar o espaço em bar e restaurante. Com experiência em gastronomia, ela aproveitou o momento para empreender e viu o negócio florescer. Hoje, o local serve almoço todos os dias, feijoada aos sábados e música ao vivo nas noites do bairro, empregando cerca de 15 pessoas entre fixos e freelancers. Rosana conta que a parceria com os comércios vizinhos, como o Coronel Beer, é constante — “um ajuda o outro, seja com gelo, bebida ou o que for preciso”. Ela também frequenta o Tarê Sushi, o Comper Rui Barbosa e o Meu Mercado, todos ali na vizinhança.

Messias, morador do Monte Líbano há 11 anos, destaca a infraestrutura completa do bairro, que segundo ele “tem tudo o que precisa”. Aprecia a tranquilidade e diz que costuma frequentar o comércio local, as pizzarias e a Paróquia Nossa Senhora de Fátima, onde participa de atividades da comunidade.

Outro antigo morador é José Rodrigues, com cerca de 30 anos de Monte Líbano. Ele conta que mantém contato com os vizinhos de longa data por meio de um grupo de WhatsApp, e que é cliente do Mamede desde os tempos da oficina — “meu pai também era cliente dele”, recorda. Costuma fazer compras no Comper Rui Barbosa e diz que continua a ver no bairro o mesmo espírito de amizade de antigamente.

Na Praça República do Líbano, encontramos Carlos Borges, que brincava com o filho no parquinho. Morador há um ano, escolheu o Monte Líbano justamente por já ter ali sua empresa de energia solar. O filho, Gabriel, estuda no Ninho Jardim da Infância, e o pai conta que sempre procura prestigiar o comércio local, desde a barbearia próxima à praça até os pequenos mercados e lanchonetes.

Encerrando o passeio, Alberto Guedes, apaixonado por gastronomia, montou o Senhor Bolo no Jardim São Bento em 2020. Além de empreender na região, ele é cliente assíduo dos comércios do entorno — especialmente o Bar do Mamede e o Pastel Nippon — e reforça que o bairro tem “tudo por perto, do café ao jantar, com a praticidade de uma região que cresce sem perder o sossego”.

Entre tradição e modernidade

Monte Líbano e Jardim São Bento compartilham mais do que fronteiras geográficas — dividem histórias de fé, trabalho e transformação. O primeiro carrega a marca do pioneirismo libanês; o segundo, o charme silencioso de um bairro que cresceu sem alarde, moldado pelo tempo e pela vida cotidiana de seus moradores.

Enquanto o Monte Líbano reflete o esforço de uma geração que ajudou a erguer a Campo Grande moderna, o Jardim São Bento representa a continuidade desse legado — um lugar onde o passado se mistura ao presente e onde cada rua guarda um pedaço da história da cidade que não para de se reinventar.

Texto e Fotos: Guto Oliveira (@senhordosroles)