Segurança jurídica não nasce do improviso, nasce da previsibilidade. É ela que permite que cidadãos, empresas e o próprio poder público planejem, invistam e executem políticas sem medo de revés a cada mudança de vento. Quando o sistema legal oferece regras claras, estáveis e aplicadas de forma coerente, o resultado é confiança – o ativo mais valioso para qualquer sociedade que pretenda conciliar desenvolvimento econômico e proteção ambiental.
O contrário também é verdadeiro. Mudanças repentinas de entendimento por parte de autoridades, por mais bem-intencionadas que sejam, criam um ambiente de incerteza. São trocas de regra no meio do jogo: projetos paralisam, custos aumentam, riscos se multiplicam. E, por tabela, abre-se espaço para disputas intermináveis e decisões casuísticas que corroem a credibilidade das instituições.
Dito isso, é preciso franqueza e maturidade ao tratar da pauta ambiental no Parque dos Poderes e no Parque Estadual do Prosa. Ali, convivem sensibilidade ecológica, patrimônio paisagístico e, ao redor, uma cidade em expansão, com intensa pressão imobiliária. Fingir que essa tensão não existe é negar o óbvio, explorá-la politicamente é agravar o problema.
Nesta edição mostramos que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em resolução recente, validou empreendimentos no entorno de parques, hipótese que se aplica a Campo Grande. A mensagem implícita é: é possível compatibilizar uso urbano e proteção ambiental, desde que atendidos parâmetros técnicos e condicionantes ambientais. Trata-se de uma diretriz que dá horizonte e, portanto, colabora para a previsibilidade.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) cobra, com as suas razões, que Estado e Prefeitura regulamentem a zona de amortecimento do Parque do Prosa. A lacuna normativa local abre margem a interpretações díspares e insegurança. Sem parâmetros claros – largura de faixa, critérios de adensamento, gabarito, permeabilidade, compensações – qualquer decisão vira campo minado.
Eis um caso em que os dois lados têm razões atendíveis: há o imperativo de preservar e há o direito de construir dentro da lei. O entendimento ideal, portanto, não é interromper projetos em andamento e muito menos autorizar a toque de caixa, é garantir regras explícitas, estáveis e operacionais, que valham para todos e sejam aplicadas com rigor técnico.
A solução madura passa pela propositura de uma lei, construída a várias mãos. O governo de Mato Grosso do Sul tem expertise recente: a Lei do Pantanal resultou de diálogo amplo e produziu um marco que hoje orienta agentes públicos e privados. Há lições a replicar: escuta qualificada, transparência de dados, metas verificáveis e prazos factíveis.
Talvez seja esse o caminho também aqui. Uma lei específica para a zona de amortecimento do Prosa – e diretrizes para o Parque dos Poderes – com mapas oficiais, critérios ambientais objetivos, exigências de estudo de impacto, contrapartidas proporcionais e mecanismos de monitoramento. Que preveja transição para empreendimentos já licenciados e regras claras para os que estão em análise.
O que não se pode admitir é a governança por sobressaltos: ora uma canetada que paralisa, ora um despacho que libera sem respaldo técnico. Racionalidade é o nome do jogo. E racionalidade, aqui, significa não embargar obra em conformidade com a legislação e, simultaneamente, exigir que toda nova proposta cumpra requisitos ambientais nítidos, auditáveis e públicos.
Fonte: Correio do Estado